Ex-presidente do CNDI fala da perda de direitos da sociedade civil um ano depois da mudança

No último dia 27 de junho, às pessoas que atuam no movimento de idosos tiveram mais uma data triste para lembrar, entre tantas do atual momento. Completou um ano o Decreto 9893  que reduziu a representação do CNDI-Conselho Nacional do Idoso de 28 conselheiros para apenas 6, tirando a autonomia da participação da sociedade civil, que encabeçava a gestão que deveria acabar somente em 25 de outubro de 2020. Essa representação que garantia o controle democrático da Politica e do Fundo Nacional da Pessoas Idosa.

Em meio ao flagelo da Covid-19, que tem causado muitas mortes aos idosos, quando os conselhos estaduais e municipais de todo o país precisam de uma orientação unificada e da utilização de parte do Fundo Nacional do Idoso para socorrer entidades que trabalham com as pessoas mais vulneráveis, a falta dessa representação ficou gritante.

No ano passado, um mês depois da assinatura do Decreto, a presidente cassada do CNDI, a Mestre em Gerontologia pela UNICAMP e e coordenadora da Pastoral da Pessoa Idosa, na Arquidiocese de Campinas, Maria Lúcia Secoti Filizola- tratada por todos como Lúcia Secoti- esteve num encontro promovido pelo Fórum Paulista de Conscientização do Envelhecimento, o primeiro a debater amplamente em São Paulo, as desvantagens do atual modelo. Naquela época nem se poderia imaginar que o mundo passaria por uma pandemia, nem o quanto o CNDI, com representação das mais importantes entidades que trabalham com idosos no país, estaria fazendo falta nesse período.

Para falar sobre as perdas advindas dessa reestruturação autoritária, o Jornal da 3ª Idade buscou novamente os esclarecimentos da ex-presidente do CNDI que corrige quando se usa essa expressão: “ Não me considero ex, porque meu mandato não terminou, foi interrompido. Até dia 25 de outubro de 2020 eu me considero presidente e continuo trabalhando nas questões que atuamos, inclusive na derrubada do decreto, para a volta do modelo anterior, que poderá acontecer ainda esse ano, com a ampla e necessária representatividade governamental e da sociedade civil”.

Jornal da 3ª Idade – O que o CNDI teria feito nesse um ano, que já estava deliberado, cuja interrupção a senhora acredita trouxe prejuízo para o trabalho com os idosos de todo o Brasil?

Lúcia Secoti, ex-presidente do CNDI– Várias ações de que estavam deliberadas e em fase de implantação foram ceifadas. Tínhamos decidido uma linha específica para Educação dentro de todos os editais com utilização do Fundo Nacional do Idoso. A decisão foi na centésima assembleia do CNDI, também a última que eu coordenei como presidente efetivamente. Essa proposta foi trabalhada pelo GT Educação, para  implementação do Artigo 22 do Estatuto do Idoso. Tínhamos conseguido uma parceria com o banco Itaú-Unibanco, para toda a governança e comunicação do CNDI, com a ideia de ampliar a visibilidade de atuação mostrando para todas as pessoas as funções de um conselho nacional. Chegamos a abrir uma conta do CNDI no Twitter, como primeira estratégia do plano de comunicação. Ela ia completar um trabalho começado antes pelo Instagram na gestão anterior. Também estava acordada uma parceria com a CGU- Controladoria Geral da União, quando seria desenvolvida uma capacitação EAD (ensino a distância) com aprofundamento do que é Controle Social e Envelhecimento. Deveria ter sido nos moldes do que é feito com o CNS- Conselho Nacional de Saúde. Dois seminários já estavam deliberados: um internacional a ser realizado em parceria com o Neppos/UNB e a CIDOSO – Comissão do Idoso da Câmara dos Deputados sobre a Mulher Idosa e outro com a Coordenadoria do Idoso da Prefeitura de São Paulo, sobre Educação e Direitos Humanos. Também já estava deliberado o valor de 1 milhão e 400 mil, do Fundo Nacional do Idoso, que seria destinado para a realização da 5ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, já definida para novembro de 2019. 

Jornal da 3ª Idade – A falta de comunicação do CNDI sempre foi cobrada, tanto na sua gestão como nas anteriores. Mesmo alguns conselhos estaduais se queixavam de querer estar mais próximo dos debates.

Lúcia Secoti, ex-presidente do CNDI– A gente recebia uma demanda muito grande de um contato maior, por isso concretizar essa iniciativa, que foi fruto de muita discussão e que já vinham também de gestões anteriores. Vários conselhos estaduais cobravam. Tínhamos desenhado uma atuação que falasse com os conselhos estaduais para que eles falassem com os municipais. Não tem como fortalecer os conselhos municipais sem fortalecer os estaduais. Minha primeira participação no CNDI foi na gestão de 2016 e desde lá o colegiado vinha lutando para ampliar a comunicação.

Jornal da 3ª Idade – O CNDI chegou a desenvolver uma sequência de áudios curtos, que nunca foram amplamente divulgados. Por quê?

Lúcia Secoti, ex-presidente do CNDI– Para comemorar os 15 anos do Estatuto do Idoso foi produzida uma sequência de programas de rádio que deveria ter chegado em todo o país e ser bastante disseminado. Queríamos que eles ficassem na página do Ministério, para que todas as pessoas pudessem ter acesso. Nunca conseguimos fazer com que eles fossem colocados lá. Mandamos por e-mail para os conselhos estaduais e para vários municipais.

Jornal da 3ª Idade – Uma dúvida, várias vezes apontada, era o desconhecimento sobre como era feita a escolha dos conselheiros. Muitas pessoas defendem que o conselho nacional deveria ser um colegiado formado pelos presidente dos conselhos estaduais. É importante esclarecer, até porque nesse momento que se critica a redução da representação, as pessoas precisam entender a diferença.

Lúcia Secoti, ex-presidente do CNDI–  A grande diferença do que existe hoje é que as representações da sociedade civil eram eleitas. Os 14 representantes governamentais eram indicados pelos ministérios. Não existia eleição individual de pessoa física. Eu por exemplo, representava a Pastoral da Pessoa Idosa.

Jornal da 3ª Idade – Esse modelo em algum momento foi determinante também para os estaduais e municipais?

Lúcia Secoti, ex-presidente do CNDI– Não. Os conselhos estaduais e municipais definem os critérios por meio de seu processo eleitoral. Quando fui conselheira no CEI-SP representava a Macrorregião de Campinas.

Lúcia Secoti, em sua palestra no Fórum Paulista de Conscientização do Envelhecimento, em julho de 2019. Na mesa a Promotora Claudia Beré e o advogado Amin Aur, a Especialista em Gerontologia Maria Alice Machado, todos ex-conselheiros do CNDI, defendendo a volta do modelo anterior Foto: jornal3idade.com.br

Jornal da 3ª Idade – Uma questão que está sendo muito abordada nesse momento é a falta de cadastro de conselhos, de ILPI e de perfis de trabalhos com idosos em todo o país. No momento de buscar apoio para os idosos abrigados se descobriu que não existia um cadastro nacional, nem estadual das ILPI. Nas redes sociais vários profissionais colocam que esse trabalho não tinha sido feito. 

Lúcia Secoti, ex-presidente do CNDI–  O trabalho de mapeamento dos conselhos estaduais já existe desde 2018 e foi apresentado em agosto daquele ano, para todos os conselheiros do CNDI e presidentes de conselhos estaduais, num Encontro Técnico. Essa reunião era também para festejar os 15 anos do Estatuto do Idoso e começar a discutir a preparação da 5ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa. Nela só  faltou a presidência do CEI do Amapá. O trabalho dos conselhos estaduais foi feito pela Comissão de Articulação com os Conselhos e Comunicação Social. O cadastramento dos conselhos municipais foi feito pela Secretaria Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa, na gestão do médico Rogério Ulson. O CNDI fazia o acompanhamento desse cadastro. Essas apresentações foram disponibilizadas para todos os conselhos. Nesse dia da apresentação criamos um grupo de WhatsApp com todos os conselhos que até hoje funciona. É um equívoco dizer que não existia esse tipo de cadastro. Informações sobre as ILPI são da gestão da Secretaria Nacional de Assistência Social, cuja representação integrava o CNDI.

Jornal da 3ª Idade – O PDL -Projeto de Lei  454/2019, do Deputado Federal Chico D’Angelo, do PDT do RJ, quer que o CNDI volte ao modelo anterior ao Governo Bolsonaro. A senhora acredita que exista chance disso realmente acontecer?

Lúcia Secoti, ex-presidente do CNDI– Existe. O PDL é bastante objetivo e preciso. Ele nos dá esperança de que o Decreto possa ser sustado. O relatório da Deputada Lídice da Mata, do PSB da BA, que também é presidente da CIDOSO- Comissão do Idoso da Câmara está muito bem elaborado. O PDL está na CCJ- Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania esperando ser colocada em pauta.

Jornal da 3ª Idade – Quantos deputados precisam assinar para derrubar o Decreto de 2019? 

Lúcia Secoti, ex-presidente do CNDI– É preciso ter a assinatura de dois terços de todos os deputados. Desde novembro que a Deputada Lídice da Mata e o Deputado Denis Bezerra vinham fazendo esse trabalho de colher assinaturas. Eu mesma estava ajudando, mas depois veio a virada de ano e no começo dessa legislação já começou a pandemia. 

Jornal da 3ª Idade – A senhora sabe quanto tinha de saldo do Fundo Nacional do Idoso quando sua gestão foi interrompida?

Lúcia Secoti, ex-presidente do CNDI– Não, ninguém sabe ao certo. Um dos pontos que embasava o plano de comunicação que estávamos querendo colocar em prática era exatamente a necessidade de transparência dos valores do Fundo Nacional do Idoso. 

Lúcia Secoti durante a XV Conferência Estadual do Idoso de SP, em novembro de 2019 apresentando o cronograma dos decretos que cassaram o CNDI. Foto: jornal3idade.com.br

Jornal da 3ª Idade – Algumas pessoas estão propondo uma Conferência Nacional Virtual. A senhora acha que seria possível nesse momento de pandemia e com tantas dificuldades que a maioria dos idosos ainda apresentam na relação com a tecnologia?

Lúcia Secoti, ex-presidente do CNDI–  O que existia anteriormente, proposto inicialmente na 5ª Conferência Estadual do Rio de Janeiro e depois também colocada na 5ª Conferência Estadual do Espírito Santo foi que no caso do governo federal não realizar a 5ª Conferência Nacional, como já estava agendada, que os conselhos de todo o país assumissem a realização de uma conferência livre. Isso foi antes de enfrentarmos uma pandemia. É preocupante pensar nessa alternativa nesse momento.