Luciano Correia Bueno Brandão é advogado em São Paulo, no escritório Bueno Brandão Advocacia. Pós-Graduado em Direito Processual Civil (FMU). É membro efetivo da ”Comissão de Estudos sobre Planos de Saúde e Assistência Médica” da OAB, secção São Paulo.
O diabetes é uma síndrome metabólica que se caracteriza pela deficiência de produção ou de ação da insulina no organismo.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), estima que 180 milhões de pessoas ao redor do mundo apresentem quadro de diabetes e, pior ainda, projeta que em 2030 este número irá dobrar.
No Brasil, estima-se que entre 12 e 15 milhões de pacientes tem diabetes, conforme dados da Sociedade Brasileira de Diabetes e de Associações de Pacientes.
A diabetes Tipo I, é aquela em que o paciente necessita fazer uso de insulina, pois o pâncreas é incapaz de produzir a substância.
A diabetes Tipo II, menos agressiva, normalmente pode ser contornada por meio de melhor alimentação, hábitos saudáveis e atividade física.
A diabetes não deve ser subestimada, pois pode dar ensejo à complicações como cegueira, distúrbios neurológicos e problemas renais crônicos.
Particularmente em relação aos pacientes com diabetes Tipo I (que fazem uso de insulina), as aplicações injetáveis são o tratamento mais corriqueiro.
Contudo, não são raros os casos de pacientes que não apresentam boa evolução ao tratamento com esquemas tradicionais, apresentando oscilações frequentes da glicemia, controle inadequado da glicemia, hemoglobina glicada elevada e episódios repetidos de hipoglicemia, especialmente, hipoglicemias noturnas frequentes que podem, inclusive, colocar em risco a vida do paciente
Nesse contexto, tem ganhado destaque o tratamento mediante uso de bombas de infusão de insulina.
Trata-se de um equipamento ligado a corpo por um cateter e uma agulha flexível que serve para injetar automaticamente e em pequenas e contínuas doses, os medicamentos. Entre as principais vantagens deste tipo de tratamento, é apontada a diminuição dos riscos de hipo ou hiperglicemia, já que há a liberação constante da medicação.
Um impecilho para que um maior número de pacientes possa fazer uso desta forma de tratamento é o custo: uma bomba pode chegar a custar R$13 mil, sem considerar os medicamentos e manutenção.
Assim, a questão que se põe é: o sistema público de saúde e planos de saúde privados tem a obrigação de garantir o custeio desta modalidade de tratamento?
A resposta é positiva.
No âmbito do SUS, incidem as garantias dos artigos 5º e 196, da Constituição Federal, que asseguram o direito à saúde e à vida, devendo o Estado garantir cesso universal e integral ao tratamento necessário conforme indicação médica.
Neste sentido:
“APELAÇÃO CÍVEL Dever de arcar com custos de manutenção Diabetes Melitus Sistema de infusão (bomba de infusão contínua de insulina). 1. Ilegitimidade passiva ad causam Responsabilidade solidária Inteligência do Enunciado Predominante do Direito Público nº 16 Preliminar afastada. 2. Pedido de natureza personalíssima Pessoa hipossuficiente -Tutela constitucional do direito à vida (artigos 5º, caput e 196 da Constituição Federal) Dever de prestar atendimento integral à saúde a todos. 2 – Irrelevância do fármaco não se encontrar na lista dos medicamentos padronizados Violação ao princípio constitucional da separação dos poderes não configurada Mecanismo de garantia do efetivo exercício do direito. Recursos improvidos”. (TJ-SP – APL: 32562320098260070 SP 0003256-23.2009.8.26.0070, Relator: Cristina Cotrofe, Data de Julgamento: 14/11/2012, 8ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 14/11/2012).
Por outro lado, também os planos de saúde privados devem cobrir os custos com o tratamento.
As alegações corriqueiras dos convênios para negar a cobertura são no sentido de que não há previsão expressa no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); de que não é devida a cobertura de medicamentos administrados fora do âmbito hospitalar ou ambulatorial.
Tais justificativas, no entanto, não subsistem.
O Judiciário há muito tem pacificado o entendimento de que o rol divulgado pela ANS não é taxativo, servindo apenas como referência de cobertura básica, cabendo ao médico assistente do paciente definir o melhor tratamento.
O Desembargador João Batista Damasceno, da 27ª Câmara Cível do Consumidor do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por ocasião do julgamento do recurso de apelação nº 0012551-26.2013.8.19.0204, ponderou que:
“Em que pese alegação de ausência de previsão no rol de cobertura exigido pela ANS, a escolha dos procedimentos necessários e adequados ao paciente cabe ao médico incumbido do tratamento e o referido rol não é taxativo, sendo uma listagem de cobertura mínima obrigatória para os planos de saúde. Havendo previsão contratual para o tratamento de determinada doença, é abusiva a recusa do plano de saúde na autorização para exame prescrito” – destacamos.
As decisões remansosas neste sentido, inclusive, levaram o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a editar a Súmula 102, TJ/SP, assentando que: “Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS”.
Também o Superior Tribunal de Justiça já firmou o entendimento no sentido de que ”o que o contrato pode dispor é sobre as patologias cobertas, não sobre o tipo de tratamento para cada patologia alcançada pelo contrato. Na verdade, se não fosse assim, estar-se-ia autorizando que a empresa se substituísse aos médicos na escolha da terapia adequada de acordo com o plano de cobertura do paciente. E isso, pelo menos na minha avaliação, é incongruente com o sistema de assistência à saúde, porquanto quem é senhor do tratamento é o especialista, ou seja, o médico que não pode ser impedido de escolher a alternativa que melhor convém à cura do paciente” (3ªT., REsp 668.216/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 15.03.2007, v.u., DJU 02.04.2007).
Da mesma forma, o fato de o medicamento ser administrado em ambiente domiciliar não afasta o dever de cobertura. Neste sentido, o E. Desembargador Piva Rodigues, da 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo já considerou que: “Deve prevalecer a noção de tratamento em sentido amplo, de modo a incluir o fornecimento das medicações na cobertura do tratamento da moléstia, inclusive os aplicados em regime ambulatorial ou domiciliar, não podendo dele ser dissociado simplesmente pelo fato de o paciente não estar internado“.
No mesmo sentido, o E. Desembargador Ênio Zuliani, da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo ponderou que “o fato de a medicina evoluir e substituir o tratamento que antes era feito em hospital por comprimidos que o paciente ingere em casa, não altera a natureza do contrato de plano de saúde, cuja função social é o de permitir que o usuário tenha efetiva e completa assistência, nos limites do contrato [art. 421, do CC]. A questão não é de inserir a hipótese na cláusula de exclusão, mas, sim, de adaptar a interpretação a um conceito moderno de tratamento, sob pena de ter de obrigar que o paciente, para receber cobertura, desista do medicamento oral para voltar a receber o tratamento em regime hospitalar, o que é um contrassenso“.
Ademais, as limitações e restrições de cobertura devem ser interpretadas em favor do consumidor, tal como garantem os artigos 4º, I e 47, ambos do Código de Defesa do Consumidor, aplicáveis aos planos de saúde, conforme Súmula 469 STJ e Súmula 100, TJ/SP.
Diante disso, consideramos que havendo indicação médica expressa justificando a necessidade de tratamento de pacientes portadores de diabetes Tipo I por meio do uso de bombas de infusão de insulina, tanto o Estado quanto os planos de saúde, possuem o dever de garantir o acesso ao tratamento, arcando com as despesas necessárias à aquisição dos equipamentos e insumos relacionados ao tratamento.
Em caso de negativas indevidas, o paciente pode recorrer ao Judiciário.