Conselho Estadual da Pessoa Idosa de Goiás atua contra aumento da violência na pandemia

Entrevista com a professora  Ignês Luzia Guardiolapresidente do CEDPI-GO, Conselho Estadual da Pessoa Idosa de Goiás, para a série Conselhos e Fóruns Estaduais na Covid-19

Goiás, o estado mais populoso da Região Centro-Oeste do Brasil,  atingiu, nos últimos dois dias, novo recorde de mortes pela Covid-19. Ontem os números apontavam 50.915 infectados e 1.295 óbitos confirmados, sendo deles a maioria de pessoas com mais de 60 anos.

Profª Ignês Luzia Guardiola, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Idosa de Goiás, como representante da SEDUC- Secretaria Estadual de Educação. Gaúcha, que adotou Goiânia, é pós graduada em Literatura.

Para saber como o CEDPI-GO, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa de Goiás está atuando durante a pandemia, o Jornal da 3ª Idade entrevistou a Profª Ignês Luzia Guardiola, que no mês que vai terminar seu segundo mandato como presidente, como representante da SEDUC- Secretaria Estadual de Educação, nas gestões 2016-2018 e 2019-2020.  A atuação do conselho, na pandemia, está mais focada no acompanhamento dos casos de violência doméstica, que não está aparecendo nas estatísticas, mas que parece estar aumentando com a quarentena.

Jornal da 3a Idade – O CEDPI-GO está conseguindo atuar nesse período de pandemia? 

Profª Ignês Luzia Guardiola, presidente do CEDPI-GO –  Estamos trabalhando mas, de forma diferenciada. Fizemos três reuniões virtuais e estamos marcando para os próximos dias o quarto encontro. Temos ainda muitas dificuldades, porque nem todas as pessoas têm muita intimidade com a tecnologia. Esse que já era um desafio dos dias atuais, agora com a pandemia ficou urgente para todos. No final de agosto estarei passando a presidência e estamos trabalhando nessa nova eleição. Eu estou na presidência nas duas últimas gestões, que impôs um grande desafio para todos, porque tivemos problemas que ainda não foram totalmente resolvidos.

Jornal da 3a Idade – Diferente de outros conselhos que alternam a presidência entre sociedade civil e governamental a senhora, ficou duas vezes no comando, como representante do governo. O que motivou essa continuidade?

Profª Ignês Luzia Guardiola, presidente do CEDPI-GO– Também em Goiás trabalhamos com a alternância, nas gestões, mas nosso regimento permite que a pessoa que está exercendo a presidência, no final do seu mandato tenha direito de concorrer a reeleição. Eu estou há 20 anos como voluntária no CEDPI-GO, mas essa minha segunda gestão na presidência foi requerida por um motivo muito grave.

Em 2016, tivemos a lei de criação do Fundo Estadual do Idoso que até então estava previsto somente por decreto. No final daquele ano, em dezembro, quatro meses depois de eu ter entrado, o fundo tinha captado R$ 7 milhões e 800 mil. Esse dinheiro era para ser usado em quatro projetos: 1) Banco de Olhos para cirurgia de 1200 cataratas, transplante de córnea e tratamento, 2) para Abas do Rio Verde que é uma associação espírita que tem um condomínio de idosos; 3) APAE de Anápolis e 4)  Antero de Catalão. O problema é que ao encerrar o ano o governo do Estado criou uma conta única, onde todos os dinheiros de fundos passaram para essa comum do Tesouro Estadual. Tivemos que passar a fazer os convênios do tipo fomento, para atender as pessoas que captaram e deixaram 20% da verba para o conselho. A nossa parte da verba era para ser doada R$40 mil, para 11 entidades que não conseguiram captar mas apresentaram projetos de cozinha, reforma de lavanderia.

Passamos a gestão de 2016 a 2018 preparando os contratos para serem executados e também organizamos um Curso de Gerontologia para os conselheiros. As outras coisas eram pequenas contas para abastecer o conselho, comprar um data-show , um notebook, coisas que facilitassem na ida ao anterior. Só que o dinheiro sumiu, com a junção dos fundos. Era final de governo, virada para o governo atual. Então o colegiado entendeu que era importante a reeleição para que pudéssemos resolver a questão do Fundo, para o mesmo ser repassado para as entidades. Eu não estava preocupada porque esse dinheiro é o que chamamos de “verba carimbada”, ele quando sai da Receita Federal tem destino certo.  Estamos lutando até hoje para o repasse desses valores.

Jornal da 3a Idade –  Vocês estão conseguindo fazer algum repasse de cestas de alimentos, ou produtos para idosos, em instituições? Que tipo de ajuda estão conseguindo fazer para os idosos mais vulneráveis?

Profª Ignês Luzia Guardiola, presidente do CEDPI-GO – Diretamente não estamos podendo fazer nada, justamente porque estamos sem o Fundo Estadual do Idoso. Goiás tem uma particularidade importante, porque temos a frente da Secretaria do Desenvolvimento Social, a ex-senadora Lúcia Vânia, que é uma pessoa que tem uma história de trabalho muito ligada aos idosos. Ela foi Secretária Nacional da Assistência Social que implantou a LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social) foi quem lançou o BPC (Benefício de Prestação Continuada) e participou da criação do Estatuto do Idoso. Na Secretaria ela mantém a Gerência de Promoção e Defesa da Pessoa Idosa que executa vários trabalhos. A Secretaria tem distribuído cestas de alimentos para as entidades nos municípios. Temos também a OVG- Organização das Voluntarias de Goias, que sempre é presidida pela esposa do governador, que tem feito distribuição de cestas e material de limpeza. Fiscalizamos e ajudamos. Com a pandemia a gente está aprendendo muita coisa. Tem muita luta no nosso conselho, muitas vezes as pessoas reclamam que nos conselhos as pessoas não ajudam muito. Eu tive muita colaboração, principalmente nessa segunda gestão.

Jornal da 3a Idade – As ILPI de Goiás já receberam alguma ajuda do governo federal, desses repasses que estão sendo anunciados?

Profª Ignês Luzia Guardiola, presidente do CEDPI-GO – Sim, várias cidades já receberam a primeira verba e outras estão na lista de espera, aguardando o cadastro nacional ficar pronto. Nossa Secretaria recebeu o repasse e já está fazendo as compras e a distribuição. Eu recebi da Secretaria Nacional uma listagem com o nome de todas as ILPI que vão receber. Tivemos uma reunião sobre isso e na ocasião o Secretário Nacional da Pessoa Idosa, Antônio Fernandes Toninho Costa, explicou que a Fundação Banco do Brasil vai soltar edital e abrir uma conta para as entidades se cadastrarem e vão entrar as particulares, as filantrópicas e as públicas.

Jornal da 3a Idade – As particulares também estão recebendo?

Profª Ignês Luzia Guardiola, presidente do CEDPI-GO –  Sim, a preocupação do governo federal é não deixar acontecer o que ocorreu na Europa. Tem asilo no exterior que foi fechado com os idosos dentro. Um horror. Esse dinheiro que está sendo mandado é para evitar isso. Da maneira como está sendo feito ficou bom. Antes queriam que os conselhos estaduais fiscalizassem a prestação de contas. Os conselhos não têm estrutura para isso. Aqui nosso e-mail vive caindo sem Internet, só temos uma secretaria. Agora a prestação de contas será com a Fundação Banco do Brasil.

Jornal da 3a Idade –  Qual a maior contribuição que a senhora julga que as suas duas gestões vao deixar para a próxima?

Profª Ignês Luzia Guardiola, presidente do CEDPI-GO – Fizemos a 5ª Conferência Estadual dos Direitos da Pessoa Idosa e também 14 conferências regionais, para abranger os 246 municípios do nosso Estado. Temos direito de levar somente 18 delegados na Conferência Nacional, então para que eles fossem eleitos com representatividade, dividimos Goiás em 14 regionais. Nas conferências nacionais anteriores participaram quase que somente pessoas de Goiânia. Nosso objetivo era e continua sendo trabalhar muito para que os conselhos municipais possam se empoderar. Foram eleitos 14 delegados regionais e os 4 que sobraram nós dividimos 2 para Goiânia e Região Metropolitana, que abarcou 27 cidades, e o Conselho Estadual ficou com 3 vagas, sendo uma governamental, uma sociedade civil e outra para a presidência. Nas conferências regionais tivemos um forte apoio da OAB-GO que nos ajudou a trabalhar a questão da alienação parenteral, que será a nossa tese na conferência nacional. Estamos vendo acontecer com os idosos o mesmo debate que existe no Estatuto da Criança e do Adolescente. Fazem com os nossos idosos o mesmo que algumas pessoas fazem com as crianças. Um filho separa os pais da família e fica falando que ninguém gosta dele para tomar conta sozinho do patrimônio. Isso se chama alienação parental. Isso ocorre muito, principalmente com quem mora no interior. O idoso fica na mão de um filho e não deixa que os demais se aproximem e isso desgosta o idoso, que fica depressivo. A mulher viúva sente mais isso que o homem. Temos muitos problemas de violência. A característica do nosso idoso é que ele tem sua casa própria. Pode ser uma casa humilde, mas ele tem a sua casa. Os filhos é que estão desempregados, passando problemas e que voltam para casa com os netos. Como ele é o dono da casa ele ainda manda, só que o lado difícil é que a gente só consegue levar ele para uma instituição quando a violência já está muito grande. O estelionato também nessas circunstâncias tem crescido muito. Não tem nenhuma lei que impeça o idoso de fazer o empréstimo para o familiar, que é sabido que na maioria dos casos não paga depois. Vamos levar tudo isso para a conferência nacional.

Jornal da 3a Idade – A senhora realmente acredita que teremos a 5ª Conferência Nacional no próximo ano? Temos as dificuldades da pandemia e também a falta de consenso na atuação do novo modelo de CNDI.

Profª Ignês Luzia Guardiola, presidente do CEDPI-GO –  Tenho certeza que vai ter, porque o Secretário Antônio Fernandes Toninho Costa já garantiu. As coisas não estão claras e ainda tem muita coisa para arrumar lá dentro, mas estão nos ouvindo. Tivemos uma reunião com ele e falamos que o CNDI não está dividido como devia. Falamos que muitos ministérios poderiam estar atuando junto. Ressaltamos que o Ministério da Saúde e da Educação não poderiam estar fora. Ele disse que tem um projeto que está na mão da Ministra Damares para aumentar a representação de mais quatro ministérios e que assim também aumentar a representação da sociedade civil, porque tem que ser paritário. Explicamos para ele que não tem como capacitar conselho municipal dizendo que tem que ser paritário, que tem que ter organização social no mesmo número das secretarias locais, se o prefeito vai olhar o conselho nacional e não vai ver isso acontecendo. 

Jornal da 3a Idade – Nas conferências regionais também apareceram muitas reivindicações da Saúde que agora estão aparecendo nas dificuldades da pandemia. Como vocês trabalharam isso?

Profª Ignês Luzia Guardiola, presidente do CEDPI-GO – Goiás tinha uma deficiência, que agora está melhorando, de sempre que alguém precisava de uma UTI  tinha que sair do Interior para a Capital. As ambulâncias saíam das suas cidades com idosos dentro sem ter reservado vaga antes. Nós não temos casas de passagem. Sem pedir as vagas de UTI os idosos vão parar nos CAIS (Centro de Atenção Integrada à Saúde) de Goiânia para esperar esta vaga. Quando ele pode ficar no interior sendo cuidado por seu médico e sua família até a vaga surgir.

No campo temos a figura que aqui chamamos de “peão de trecho” que é aquele trabalhador faz tudo que não tem raiz. Ele anda de chácara em chácara buscando trabalho e a cada parada arruma mulher e filhos e quando muda deixa tudo para trás. Quando chega na velhice esse homem, na verdade não tem uma família formada e ninguém quer cuidar dele. Nas últimas fazendas ou chácaras que ele passa já está idoso, com doenças e sozinho, sem ninguém que o ampare. Os médicos do PSF (Programa Saúde da Família) do Interior, que atuam nas regiões em que eles são comuns, é que vão até eles e fazem o primeiro atendimento. Nas conferências regionais trabalhamos a necessidade desses médicos fazerem o cadastro direito, com registro dos remédios de uso contínuo para que eles não precisem ficar saindo perambulando para procurar conseguir a receita. 

O fazendeiro nunca assinou a carteira de trabalho e esse homem não tem direitos. Muitas fazendas trazem o idoso para a capital, conseguem o BPC para ele e falam que deram a aposentadoria  O patrão deixa ele ficar na fazenda, porque não existe interesse que ele fique circulando pela cidade, porque podem descobrir que ele tem direito a indenização, já que a carteira nunca foi assinada. No interior a gente tem conseguido colocar que a violência não é só física, mas também familiar e governamental. Quando as instituições não fazem o atendimento que deveria ser feito estão cometendo violência contra a pessoa idosa. Ficar na fila esperando um exame especializado, não receber os remédios, não garantir seus direitos.

Jornal da 3a Idade –  Quais são os problemas mais preocupantes para as questões do envelhecimento em Goiás, tirando esses criados agora com a pandemia?

Profª Ignês Luzia Guardiola, presidente do CEDPI-GO – Entre os problemas mais graves no nosso interior é que não temos sociedades civis interessadas em participar dos conselhos municipais. Mesmo a igreja católica não tem interesse em montar pastoral do idoso. Entidades que são fortes em nosso Estado como o Lions, o Rotary e a Maçonaria, não tem mostrado interesse no trabalho com idosos. Sem conselhos municipais, sem criação de fundos municipais, não temos como avançar na garantia de direitos dos idosos nas pequenas cidades. A pandemia está mostrando uma coisa que eu já repito há muitos anos: caixão não tem gaveta. Ninguém leva nada. Idosos ricos e pobres precisam de solidariedade. Temos que ter amor ao próximo. Mesmo o isolamento não deve nos impedir de mostrar afeto para com o outro. Não precisamos estar junto para dizer que gostamos de alguém.