
Que a terceira idade chega trazendo muitas mudanças rápidas no corpo não é novidade, todos nós sentimos. O que nem todos sabem é que a alimentação de boa qualidade pode fazer uma diferença enorme na maneira como vamos viver os próximos anos das nossas vidas.
O ritmo mais lento para as mesmas atividades de antes significa que estamos gastando menos energia e assim propiciando acúmulo de gorduras nos órgãos e tecidos. Só isso já justificaria uma mudança imediata no tipo de alimento.
O paladar no envelhecimento se altera e passa a ser menos apurado e os idosos tem menos salivação e isso vai levando as pessoas a terem menos apetite e se satisfazerem com comidas rápidas e industrializadas. Por isso comer frutas ou legumes sem agrotóxico faz uma grande diferença.
Quem alerta e defende para que os idosos se preocupem com a sua alimentação é a Dra. Maluh Barciotte, bióloga, doutora em Saúde Pública, pós doutorada em Escolhas Alimentares, pela Faculdade de Saúde Pública da USP e atual presidente da AAO- Associação de Agricultura Orgânica, da qual foi uma das fundadoras em 1989.
O Jornal da 3ª Idade conversou com ela no 11º Fórum Internacional de Agricultura Orgânica e Sustentável, realizado no Ibirapuera, no mês passado.
Jornal da 3ª Idade – Quem defende uma alimentação orgânica, sem agrotóxicos, está buscando mobilizar a sociedade para o alerta da prevalência de obesidade entre as crianças e a possibilidade delas desenvolverem doenças crônicas no futuro. As pessoas que estão na terceira idade, que não fizeram um trabalho de prevenção antes, hoje estão tomando vários remédios e tendo que tratar várias patologias. A alimentação orgânica pode ajudar quem já está com a idade avançado e com problemas de saúde?
Dra. Maluh Barciotte– Uma alimentação boa e de qualidade é essencial em qualquer momento da vida. Hoje a gente costuma defender que o cuidado com o organismo de uma pessoa deve começar quando ela ainda é feto, antes dela nascer e em qualquer fase da vida. É claro que ao se falar de pessoas mais velhas, temos que ter cuidados especiais. A gente vive numa cultura que eu chamo de “cultura da normose”. É a patologia da normalidade. É tudo aquilo que a gente faz o tempo todo, que parece normal, mas é uma doença. Acha-se normal uma pessoa depois dos 50 anos tomar remédio só que a gente sabe que não é natural. Na realidade cada vez mais se prova que muitas doenças, inclusive as doenças que a gente chama de doenças crônicas não transmissíveis, como pressão alta, colesterol, obesidade, diabetes são doenças do estilo de vida. As pessoas acham que são doenças do envelhecimento, mas não são, elas aparecem devido ao estilo de vida que as pessoas adotaram no passado e ainda insistem em manter.
Jornal da 3ª Idade- Há alguns anos era raro presenciar crianças com essas doenças e isso hoje está cada vez mais comum. É a alimentação errada a culpada disso?
Dra. Maluh Barciotte- Na Associação de Agricultura Orgânica a gente faz uma comparação com o solo. Por que uma pessoa fica doente? Por que está com as suas defesas, com seu sistema imunológico fragilizado e por isso para reagir precisa de remédio. Com o solo é a mesma coisa. Se ele não foi cuidado antes e por muitos anos só foi explorado ele acaba fragilizado, como se estivesse doente e para produzir, para render alguma coisa, para produzir energia precisa de insumos, de agrotóxicos, senão não vai ser capaz de fazer nada germinar. E esses “remédios” passam para o alimento. Se eu como mal, se me alimento de industrializados, se como muitos produtos embutidos, se no meu cardápio diário tem sempre comida feita com aqueles temperos prontos, cada vez mais eu estou me entupindo de aditivos e de venenos. Com o passar dos anos é claro que tudo isso vai explodir na forma de doenças. Por isso é importante que a alimentação seja cada vez mais natural.
Jornal da 3ª Idade– Os produtos orgânicos não são fáceis de encontrar nas grandes cidades e também são mais caros. Isso dificulta a aproximação da maioria das pessoas. Qual o melhor argumento para aproximar quem ainda não se convenceu dessa importância?
Dra. Maluh Barciotte- Realmente é difícil imaginar que principalmente as pessoas idosas vão mudar de hábitos de hora para outra, e sem dúvida o preço ainda pode ser num primeiro momento um impeditivo, mas existem várias coisas que podem ser mudadas sem grande custo, basta querer e se conscientizar. Por exemplo as hortas caseiras. A pessoa pode começar a ter os seus vasinhos com tempero em casa. Quanto mais a gente absorve alimentos de qualidade, mais a nossa vida vai sendo alterada em qualidade em várias outras coisas, as vezes de uma maneira sutil que a gente demora para perceber.
Jornal da 3ª Idade- Então, qual é a maior dificuldade? É a falta de informação ou a questão do preço?
Dra. Maluh Barciotte– Sem dúvida a falta de informação, pois quem recebe conhecimento altera o seu comportamento. Outro dia conversando com uma senhora de mais de 70 anos, na Feira Orgânica, no Parque da Água Branca, na Zona Oeste, de São Paulo, descobri que ela sai de Itaquera, na Zona Leste, duas vezes por semana para adquirir produtos. Ela diz que compra pouco por vez para não pesar, mas que essa ida ao Parque a motiva para andar, conversar com os produtores e que tudo se transforma num passeio. E isso é a alteração da qualidade de vida que a gente fala. Quando uma pessoa conversa diretamente com o produtor descobre que aquela alface que ela vai comer quando chegar em casa foi colhida há 24 horas e isso tem um outro significado. A banana foi colhida há poucos dias e o feijão também.
Jornal da 3ª Idade- Várias entidades que trabalham com a questão da alimentação estão usando a expressão “comida de verdade” e já se fala até num movimento nacional. O que vem a ser essa tendência?
Dra. Maluh Barciotte- A comida de verdade é principalmente a comida orgânica, sem transgênicos, principalmente produzida por agricultura familiar. Muitas pessoas não sabem que 70% dos alimentos que são consumidos em todas as cidades são produzidos por agricultura familiar, por pequenos agricultores e por isso temos que valorizá-los. Está tendo um grande movimento, em várias instâncias, que vai finalizar em novembro, numa grande conferencia aonde esse tema será amplamente discutido. A alimentação orgânica tem que deixar de ser considerada um privilégio das elites, para ser um direito de toda a população.
Jornal da 3ª Idade- Como a terceira idade já consciente pode colaborar com essa campanha?
Dra. Maluh Barciotte- Quem não cozinha não tem saúde e esse é o problema dos jovens que só consomem industrializados. Além de tudo que a gente pode aprender com as pessoas mais velhas o saber cozinhar é uma tarefa indispensável. E essa é uma contribuição que os idosos podem dar para as novas gerações. Antigamente as pessoas aprendiam as receitas de família com suas avós e isso é mais atual do que nunca. Os idosos têm mais tempo e por isso além de consumidores para a sua própria saúde, podem ser orientadores.