Adélia Borges, intitulada Doutora Honoris Causa pela UNESP . Foto: Mariana Chama.Adélia Borges, intitulada Doutora Honoris Causa pela UNESP . Foto: Mariana Chama.
A jornalista, curadora e crítica de Design Adélia Borges, recebe hoje, Dia Internacional da Mulher de 2021, o título de Doutora Honoris Causa da UNESP – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Ela é a primeira mulher a receber esse título pela universidade, ao longo dos 45 anos de história.
A cerimônia solene de entrega será às 14h30min, totalmente virtual, devido às medidas de segurança para conter o avanço da COVID-19. A TV Unesp fará a transmissão ao vivo de toda a cerimônia através de seu canal no YouTube.
A iniciativa de conceder o título foi da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. A UNESP só tinha entregue antes, a sua mais alta honraria, para 16 homens, muito especiais. (leia)
Formada em Jornalismo pela Universidade de São Paulo (USP), Adélia Borges construiu um espaço único na sua carreira que a levou a ser reconhecida como crítica na área do Design, autora de mais de 30 livros sobre o tema e curadora de dezenas de exposições no Brasil e no exterior.
Para saber mais sobre a importância do Design e o seu trabalho, o Jornal da 3ª Idade conversou com a agora Doutora Adélia Borges, que as vésperas de completar 70 anos é, também, mãe de dois filhos e avó de três netos.
Hermínia Brandão/ Jornal da 3ª Idade – Como uma pessoa que não faz Design conseguiu ser uma das vozes mais influentes do segmento no Brasil?
Drª.h.c Adélia Borges – Meu primeiro contato com esse tema foi nos anos 70 quando trabalhava como repórter no jornal O Estado de S. Paulo, na época que foram criadas as regiões metropolitanas do país: Grande São Paulo, Grande Porto Alegre, Grande Curitiba, e outras. Viajei para cobrir a implantação delas e foi quando vi o Design a serviço das pessoas, como um bem comum do cidadão. Isso me marcou muito, mas meu entendimento começou a se formar quando fui trabalhar na revista Design de Interiores. Até hoje, de modo geral, muitas pessoas têm um entendimento equivocado do que venha a ser Design.
Hermínia Brandão/ Jornal da 3ª Idade – As pessoas costumam relacionar o design com móveis ou peças de decoração. A senhora sempre defende que é muito mais. O que é?
Drª.h.c Adélia Borges – O Design que eu acredito é aquele que trabalha pela transformação social, como também as outras profissões. Um Design Gráfico, pode fazer um Infográfico que mostra como é terrível a concentração de renda no Brasil e com isso ajudar muito no entendimento da sociedade, da nossa realidade. Um Design de Produto pode fazer um mecanismo que simula uma vestimenta, para fins específicos. Existem vestes que simulam as dificuldades que os idosos têm quando diminui a agilidade. No laboratório da Unesp de Bauru foi criado um mecanismo, para colocar na mão das pessoas, para elas sentirem as dificuldades das pessoas que têm Parkinson. É um trabalho que favorece a empatia. Em todas as profissões a gente pode, se quiser, lutar pela transformação social.
Hermínia Brandão/ Jornal da 3ª Idade – Pensando nas cidades, como é possível trabalhar o Design a serviços seus cidadãos?
Drª.h.c Adélia Borges – Quando se trabalha nas cidades também é possível fazer opções. Pode-se fazer um piso imaginando que ele será o melhor para que as pessoas de rua não possam encostar. Quebrar um piso desses, como fez o Padre Júlio Lancelotti, obriga a opção por outro formato.
Hermínia Brandão/ Jornal da 3ª Idade – Qual é a maior contribuição de uma pessoa que é crítica de Design?
Drª.h.c Adélia Borges – A palavra não é tão bacana e as pessoas julgam que a crítica é só quem critica. Não é. Crítico é aquele que tem um olhar, tem um repertório que vai utilizar para a partir de uma reflexão ajudar os demais a navegar melhor em diferentes assuntos. Quando o Drauzio Varella fala de saúde ele leva a questão da medicina para a sociedade e as pessoas acompanham e deixam de pensar só em si e na sua família. Ele faz uma interface que nos ajuda a entender as escolhas. O Zuza Homem de Mello foi uma pessoa que me ajudou muito a entender melhor a música, a contextualizar os músicos.
Hermínia Brandão/ Jornal da 3ª Idade – Existem instâncias que têm um notório reconhecimento, como a literatura, por exemplo, que tem as academias. O Design não tem um espaço tão valorizado em nosso país, então esse título que a senhora recebe, ainda mais sendo a primeira mulher em toda a história da UNESP, deve ter um gosto muito especial.
Drª.h.c Adélia Borges – Para mim ganhar esse reconhecimento é muito mais especial exatamente pelo Design ainda não ter tanto espaço. Em 1976, editei uma reportagem especial do jornal “O Movimento”, sobre o trabalho da mulher no Brasil, que foi totalmente censurada. Foi um dos primeiros trabalhos a mostrar as diferenças que existiam. Esse apagamento nós percebemos até hoje. Nesse momento muito difícil de retrocesso, que nunca imaginei que ia viver, pode-se perceber que as pessoas estão tomando consciência da falta de oportunidade para as mulheres e para as pessoas negras. Nunca tivemos tão forte a consciência do Vida Negras Importam.
Hermínia Brandão/ Jornal da 3ª Idade – Em 2014 a senhora fez uma curadoria de uma exposição que apresentava o Design da Periferia, que inovou dentro do conceito tradicional. Qual a continuidade desse trabalho?
Drª.h.c Adélia Borges – Eu não acredito que o Design seja uma coisa para a elite. Ele tem que ser para todos. Design não é somente para quem se formou, ou se graduou na universidade em Design. O povo brasileiro é muito inventivo. Podemos encontrar nas camadas populares artesãos muito bons. O acervo dessa exposição pertence à Prefeitura de São Paulo e partiu de locais específicos. Em Salvador, por exemplo, partimos do Design Popular da Bahia, que foi feito por adolescentes de uma ONG, que catalogaram objetos que eles acharam. É um orgulho enorme o que eles conseguiram. São objetos criados que atendem a função de utilidade para que nasceram e que tem muitas vezes uma função poética.
Hermínia Brandão/ Jornal da 3ª Idade – Este acervo da Prefeitura onde pode ser visto?
Drª.h.c Adélia Borges – Temos as velhas práticas políticas que uma administração não dá continuidade para a outra. Esse acervo está fechado, abrigado no prédio da Cultura Brasileira.
Hermínia Brandão/ Jornal da 3ª Idade – No momento em que o país vive uma série de retrocessos, na saúde, na educação e nas artes, há espaço para discutir Design agora?
Drª.h.c Adélia Borges – Temos que discutir Design nesta hora, exatamente por não se tratar de supérfluo. Um ministro disse que as universidades fazem balbúrdia, mas é dessa balbúrdia que surgiu o Design de Respiradores, de Design de Protetores Faciais. Isso também é Design. Quando a gente entra num SESC Pompeia, com sua área de convivência, que a Lina Bo Bardi projetou, podemos encontrar pessoas de diferentes lugares, de diferentes classes sociais, de diferentes idades. É um lugar em que as pessoas se sentem irmanadas. Num mundo tão polarizado como o que vivemos, o Design pode ajudar a construir pontes de entendimento.
Hermínia Brandão/ Jornal da 3ª Idade – Nessa trajetória do Design sobrou alguma coisa da jornalista?
Drª.h.c Adélia Borges – Minha alma continua de jornalista, de repórter, que busca e pesquisa, que acredita que o país não se resume a Rio de Janeiro e São Paulo, ou ao circuito Milão e Paris. Mesmo agora, quando a Folha de São Paulo estava comemorando o seu centenário, eu escrevi uma carta, que não foi publicada. Eu cobrei que nas comemorações não lembravam do Perseu Abramo e da importância que ele teve na Folha de S.Paulo. Essa inquietação também está no meu trabalho com o Design.
Enxergando atrás da serra por Adélia Borges – Discurso proferido durante a solenidade de outorga do título de Doutora Honoris Causa pela Unesp.