Rede Solidária de Formação em Envelhecimento publica sobre Dia Mundial Contra Violência

A Rede Solidária de Formação em Envelhecimento divulgou um texto elaborado por dois dos seus criadores, para ser apresentado aos líderes da Pastoral da Pessoa Idosa. 

Escreveram sobre a importância do dia 15 de junho, Dia Mundial de Conscientização do Envelhecimento, os advogados,  Conceição Aparecida de Carvalho, coordenadora da Pastoral da Pessoa Idosa da Arquidiocese de São Paulo e Délton Esteves Pastore, Procurador de Justiça Cível do Ministério Público de São Paulo, ex-Promotor de Justiça de Direitos Humanos, área do Idoso da Capital

 Íntegra do texto da Rede Solidária para o 15 de junho de 2020

VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA IDOSA E O PAPEL DA PASTORAL DA PESSOA IDOSA DA ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO

Conceição Aparecida de Carvalho, Advogada, Mestre em Gerontologia pela PUC-SP, Doutoranda em Ciência da Religião pela PUC-SP, Coordenadora da Pastoral da Pessoa Idosa pela Arquidiocese de São Paulo e Sócia do Espaço Longevidade Interação e Saberes (http://www.longevidadenovosaberes.com.br/espaco.php). Sócia fundadora do IBDPI-Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa Idosa.

Délton Esteves Pastore, Procurador de Justiça, ex-Promotor de Justiça de Direitos Humanos da Capital – área do Idoso, Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo, integrante da Rede Solidária de Formal em Envelhecimento da Pastoral da Pessoa Idosa

1.CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Lei no. 10.741, de 1º. de outubro de 2003, que criou o Estatuto do Idoso, no art. 4º preceitua que nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei; e dispõe seu § 1º, ser dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos seus direitos.
Os mais velhos podem ser atingidos por qualquer espécie de violência e a vulnerabilidade parece criar ambiente favorável aos abusos a que ficam sujeitos, independentemente da idade, sexo, condição social, de saúde e lugar onde vive.
Portanto, as agressões podem ocorrer no local onde, supostamente, o idoso deveria estar mais protegido, como nas suas casas, residências de longa permanência e instituições de saúde.
Em todas as sociedades as pessoas idosas podem ser vítimas de abusos físicos, psicológicos e financeiros, dentre outros. Com a idade, as pessoas ficam mais fragilizadas, física e emocionalmente.
O envelhecimento humano é fato atual e crescente, sobretudo no Brasil, o que deve levar a família, estado, sociedade/comunidade a serem vigilantes e zelosos para com a grave disfunção social da violência, sempre no intuito de coibi-la.

2.CONCEITO. ESPÉCIES

A Organização Mundial da Saúde – OMS define a violência contra a pessoa idosa como:
“Ato de acometimento ou omissão que pode ser tanto intencional como voluntário. O abuso pode ser de natureza física ou psicológica ou pode envolver maus tratos de ordem financeira ou material. Qualquer que seja o tipo de abuso certamente resultará em sofrimento desnecessário, lesão ou dor, perda ou violação dos direitos humanos e uma redução na qualidade de vida da pessoa idosa” (OMS, 2002). {1}
Considerando o conceito utilizado, destacam–se as seguintes espécies de violência:
Violência interpessoal: É a mais comum, pois ocorre em meio às interações e relações cotidianas. Geralmente é praticada por filhos, cônjuges, netos, irmãos ou conhecidos das vítimas e pode ser subdividida nos seguintes tipos: {2}
1. Abuso físico, maus tratos físicos ou violência física
Diz respeito ao uso da força física contra a pessoa idosa para feri-la, provocar-lhe dor, incapacidade ou até mesmo a morte.
2. Abuso psicológico ou maus-tratos psicológicos e abandono.
São as agressões verbais ou gestuais com o objetivo de aterrorizar a pessoa idosa, humilhando-a, restringindo-lhe a liberdade, ignorando-a.
3. Abuso sexual, violência sexual
São os atos sexuais praticados com a pessoa idosa sem seu consentimento.
4. Negligência
Refere-se à recusa ou à omissão de cuidados devidos e necessários aos idosos por parte dos responsáveis familiares ou institucionais.
5. Abuso financeiro e econômico
Consiste na exploração imprópria ou ilegal das pessoas idosas ou ao uso não consentido por eles de seus recursos financeiros e patrimoniais.
6. Autonegligência
Diz respeito à conduta da pessoa idosa que ameaça sua própria saúde ou segurança, pela recusa de prover cuidados necessários a si mesma.
7. Violência emocional e social
Refere-se à agressão verbal permanente, o uso de palavras depreciativas que possam desrespeitar sua identidade, dignidade e autoestima.
Os idosos têm dificuldades em admitir seu estado de violência, outros demonstram receio de denunciar, ficando muitas vezes constrangidos em falar sobre o assunto, principalmente porque os responsáveis por esses atos, na maioria das vezes, são membros da própria família ou até mesmo cuidadores, pagos para que o ancião seja amparado. Mas, nesses casos ele acaba sendo alvo daquele que lhe deveria proteger.
As violências também podem ocorrer nas entidades de atendimento, locais onde o idoso é inserido para que tenha suporte, segurança e fique livre de qualquer infortúnio.
Serviços clandestinos (desconhecidos e sem qualquer acompanhamento dos órgãos de controle) e irregulares (contrários às normas do Estatuto e posturas sanitárias) podem representar importante risco ao idoso institucionalizado, o que é motivo para a comunicação dos desmandos nessa espécie de serviço.

3.RECLAMAÇÕES E REPRESENTAÇÕES

Há órgãos nacionais, estaduais e municipais que podem ser acionados por todo o país, para que as diversas espécies de violência possam ser investigadas e coibidas, com a punição dos seus responsáveis.
Para tanto, se faz necessário que os abusos praticados contra a pessoa idosa sejam levados ao seu conhecimento, seja através de simples comunicações anônimas, mas com dados suficientes à investigação e comprovação, seja por meio de peças escritas, através das quais os interessados se identificam, relatam a violência perpetrada, que está ocorrendo ou prestes a acontecer e apontam os respectivos responsáveis, inclusive com os meios para que possam ser encontrados.
O idoso ou pessoas próximas a ele podem registrar a violência sofrida, telefonando ao Disque 100 da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, bastando discar ou digitar o nº 100 de qualquer telefone. Não é necessário se identificar, mas o interessado deve fornecer dados bem completos do fato a apurar, da vítima e preferentemente do agressor, como nome, características, endereço ou meios como pode ser encontrado. As soluções exigem encaminhamentos e providências com resultados nem sempre imediatos, pois este Órgão Nacional terá que fazer contatos com os órgãos locais.
Conselho Municipal do Idoso – CMI. Não é executor da política, mas lhe compete zelar pelo cumprimento dos direitos do idoso. Avaliará a reclamação e cobrará ação dos órgãos municipais e estaduais competentes.
CREAS/PAEFI (serviço de proteção e atendimento especializado a famílias e indivíduos. Se não houver CREAS no município, denunciar para a Secretaria Municipal de Assistência Social ou equivalente.
Delegacia do Idoso ou Delegacia de Proteção á Criança, Adolescente, Mulher e Idoso.
Ministério Público da Comarca a que o município pertencer – Promotoria de Justiça, órgão encarregado de fiscalizar a ordem jurídica, que atua para a garantia dos direitos individuais e coletivos, prevenindo violações ou propondo medidas no caso de ofensa aos interesses/direitos da coletividade ou quando o idoso não estando em plenas condições de autonomia, encontrar-se em risco, sem o apoio familiar.
Procon. Quando se tratar de abuso contra o idoso enquanto consumidor. Ex.: convencê-lo a fazer empréstimos e depois cobrar juros abusivos.

4.O PAPEL DA PASTORAL DA PESSOA IDOSA DA ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO AO IDENTIFICAR A VIOLÊNCIA

A Pastoral da Pessoa Idosa (PPI) foi fundada em 05 de novembro de 2004 pela Dra. Zilda Arns Neumann, respondendo ao fenômeno do envelhecimento populacional brasileiro. No ano de 2019 completou 15 anos de história. A metodologia da PPI, em relação ao seu trabalho se inspira no dia a dia em cinco passos: ver, julgar, agir, avaliar e celebrar.
Em primeiro lugar o Lider, denominação dada à pessoa capacitada pela PPI, designada a visitar a pessoa idosa, vê a realidade em que vive a pessoa idosa em seu contexto familiar, comunitário, sócio-assistencial. Num segundo passo, cabe-lhe julgar, ou seja, busca conhecer os serviços que estão disponíveis na comunidade, para dar suporte às suas necessidades. O agir é a visita domiciliar mensal realizada a esta pessoa idosa, de forma contínua. A avaliação se dá a cada mês na comunidade, juntamente com os demais líderes em uma reunião para reflexão, cabendo-lhe e sopesar as atividades desenvolvidas no mês anterior, sendo elaborado um controle de acompanhamento domiciliar da pessoa idosa, conhecido como FADOPI.
O método celebrar é dinâmico, visto que uma vez concluída a missão da visita ao idoso no período de um mês, novamente esse Líder revê a realidade, busca as novas situações, celebra as conquistas, fica atento e articulado, participando do controle social, sempre com foco na rede local de apoio às pessoas idosas daquela comunidade.
Desde o início da sua fundação a Pastoral da Pessoa Idosa esteve atenta à realidade concernente à violência contra os idosos.
Pensando em aprimorar esse atendimento, em 2014 foi elaborado o novo Guia do Líder Pastoral da Pessoa Idosa, sendo, incluído justamente o tema gênero e maus tratos à Pessoa Idosa, abordando os questionamentos de como o Líder pode utilizar seu conhecimento nas suas visitas, quais são os fatores que favorecem a aparição da violência familiar e como ele pode identificar a violência.
Os casos de violência que chegam ao conhecimento da Pastoral são justamente identificados por ocasião das visitas domiciliares realizadas pelos Líderes, ligações recebidas e às vezes, pessoas que procuram diretamente as paróquias da comunidade, buscando soluções.
A maioria dos casos acontecem nas famílias, mas também nas casas de repouso, hospitais e espaços públicos.
O novo Guia da Pastoral da Pessoa Idosa citado acima, orienta como o Líder pode identificar a violência a saber : {3}
Observar e Escutar.
Escutar é o requisito para compreender as coisas como a pessoa idosa as vê, deixando de lado o que você pessoamente pensa;
Estar em silêncio. Estar presente;
Olhar sinceramente nos olhos;
Estar atento ao que diz e sente o interlocutor;
Dar tempo e ser paciente;
Calar-se.
Ser reflexivo: sorrir e não julgar.
Não basta prestar atenção somente nas palavras; é necessário também observar as mensagens não verbais.
Enfim, o papel do líder comunitário, além de realizar a visita de forma contínua, organizada, sistemática, favorecendo a possibilidade de assegurar à pessoa idosa um ambiente afável, onde se fortalecem vínculos de amizade e de confiança, faz também a ponte entre as pessoas idosas e os serviços existentes na comunidade, inclusive, no caso de constatação da violência, especialmente com as UBS-Unidades Básicas de Saúde, com os CRAS- Centros de Referência de Assistência Social e com os CREAS- Centros de Referência Especializado de Assistência Social.
Na função Pastoral, nossa atenção volta-se à pessoa idosa, visando, sobretudo, nos manter próximos daquela mais fragilizada ou dependente.
Por outro lado, na qualidade de coordenadora da Pastoral da Pessoa Idosa da Arquidiocese de São Paulo, como consequência de uma inquietude interna e humana de proporcionar informação ao idoso mas de forma abrangente, com o acesso aos serviços de saúde, educacionais, assistenciais e sociais, na busca concreta dos seus direitos, para exercer a cidadania de uma forma digna, iniciamos em 15.06.2015 a Rede Solidária de Formação em Envelhecimento, em parceria com o Dr. Délton Esteves Pastore, então 8º Promotor de Justiça de Direitos Humanos da Capital de São Paulo, especialista na área do Idoso, hoje Procurador de Justiça Cível do Ministério Público de São Paulo e demais integrantes da Pastoral, como voluntários, líderes, coordenadores paróquias, diocesanos, com apoio e colaboração do Jornal da 3ª idade.
Na referida data, na sede da Livraria Paulinas foi abordado o tema Combate à Violência contra à Pessoa Idosa, evento realizado todos os anos, com a ressalva deste de 2020 não poder ocorrer de forma presencial, em decorrência do isolamento social em função do COVID-19, mas que será transmitido de forma virtual.
Assim, o contato com o idoso, além da visita domiciliar passou também para a esfera educativa, de informação e formação em envelhecimento, proporcionando, desse modo, a educação em rede e interdisciplinar, somando-se ao propósito da PPI em desenvolver a formação continuada, fortalecendo o vínculo de solidariedade, sempre atenta às temáticas do idoso, no caso específico, a da Conscientização do combate à Violência contra a Pessoa Idosa.

5-CONCLUSÕES

O envelhecimento humano é fato atual e crescente, sobretudo no Brasil, o que deve levar a família, estado, sociedade/comunidade a serem vigilantes e zelosos para com a grave disfunção social da violência, sempre no intuito de coibi-la.
A Violência contra a Pessoa Idosa pode se dar de várias maneiras, sendo de fundamental importância conhecer suas espécies e avaliar se determinado indivíduo é vítima desse ilícito.
Há órgãos nacionais, estaduais e municipais encarregados de receber reclamações/representações contra condutas comissivas e omissivas de que seja vítima a pessoa idosa.
O papel das famílias, mas também do estado e da sociedade civil é fundamental para coibir tais abusos.
A Pastoral da Pessoa Idosa, no desempenho da sua missão em prol dos anciãos é de fundamental importância para o combate a essa modalidade de violência. A proximidade e a vinculação com o idoso lhe permite detectar e inibir o infortúnio.
A transversalidade na área do envelhecimento tem sua relevância, não apenas para chamar a atenção quanto à infinidade de temas a ele ligados, mas também para preparar as presentes e futuras gerações para o entardecer da vida, muitas vezes relegados por muitos.

6-REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Plano de ação internacional para o envelhecimento, 2002-OMS.Tradução de Arlene Santos. Brasília :Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2003. (Série Institucional em Direitos Humanos, v,1) {1}
GUIA DO LÍDER da Pastoral da Pessoa Idosa, 2014 {2}
PASTORAL DA PESSOA IDOSA. Disponível em : http://www.pastoraldapessoaidosa.or.br {3}