Karla Giacomin fala sobre a trajeto de um ano da Frente Nacional de Fortalecimento à ILPI

Karla Giacomin, médica geriatra, ex-presidente do CNDI- Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa. Foto: divulgação

A Frente Nacional de Fortalecimento às Instituições de Longa Permanência (FNILPI), que tem como figura de proa a médica geriatra mineira, Karla Giacomin, comemorou no dia último dia 8 de abril, um ano da sua criação. 

A participação do movimento tem sido crescente nas várias questões que envolvem o envelhecimento saudável no Brasil, muito além das questões emergenciais relativas ao enfrentamento da Covid-19 nas ILPI, que motivou seu início.

Karla Giacomin, médica geriatra, ex-presidente do CNDI- Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa. Foto: divulgação

A especialista em Gerontologia, de 53 anos, que já foi presidente do CNDI – Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, conversou com o Jornal da 3ª Idade, sobre o trabalho da FNILPI, nesses 12 meses.

Hermínia Brandão/Jornal da 3ª Idade – Como nasceu a FNILPI? Em qual momento as pessoas que trabalham com os idosos resolveram criar a Frente Nacional de Fortalecimento à ILPI?

Dra. Karla Giacomin, coordenadora da FNILPI –  A Frente Nacional nasceu no dia 8 de abril de 2020, após uma provocação, das professoras da USP, Helena Watanabe e Marisa Accioly, surgida após uma audiência pública, realizada no Congresso Nacional. Chamamos aquele momento de “O Grito das ILPI”. Na época as professoras alertavam que se acontecesse aqui no Brasil, o que tinha sido observado no Hemisfério Norte, seria uma tragédia. Poderíamos ter 50% de óbitos entre os idosos institucionalizados. Considerando que as instituições brasileiras são muito mais frágeis que as instituições europeias e norte-americanas, que têm muito mais estrutura e recursos humanos que as nossas. Assim houve um esforço de mobilização para se formar uma Frente Nacional. 

Hermínia Brandão/Jornal da 3ª Idade – O que as pessoas que estavam no início da FNILPI pretendiam oferecer naquele momento?

Dra. Karla Giacomin, coordenadora da FNILPI – A ideia original era responder o que poderíamos oferecer para as ILPI. Chegamos a primeira conclusão que informações, era o primordial naquele momento. Para isso precisávamos aprimorar nossos mecanismos de informação. As pessoas começaram a chamar outras e rapidamente esgotamos o limite do primeiro grupo de  Whatsapp. Resolvemos então criar grupos da Frente por Região. As lives também começaram a ser direcionadas. Então passamos a tratar cada tema, com cada uma das regiões. Assim cada tema girava no Brasil inteiro. Especialmente os temas referentes ao contágio e ao manejo de infecções nas ILPI, como deveria ser caso a COVID-19 chegasse na instituição. Foi dessa maneira que rodamos todo o país, de forma virtual, lidando com realidades muito diferentes.

Hermínia Brandão/Jornal da 3ª Idade – A senhora tem ideia hoje de quantas pessoas já estão envolvidas com a FNILPI?

Dra. Karla Giacomin, coordenadora da FNILPI –  Nós já fomos visualizados 480 mil vezes. Profissionais inscritos nos diferentes grupos de Whatsapp são mais de 1200. No primeiro manual produzido  pela FNILPI tinham 100 pessoas envolvidas, que foram aquelas primeiras que ajudaram a criar o primeiro relatório técnico consolidado. Esse relatório foi traduzido para o  inglês e foi disponibilizado para outros países. Foi entregue a OMS- Organização Mundial de Saúde. Depois fomos fazendo materiais direcionados para temas e aí as pessoas foram se agregando.

Hermínia Brandão/Jornal da 3ª Idade – Que tipo de manuais foram sendo criados durante o primeiro ano da FNILPI e qual a importância deles, no meio da pandemia?

Dra. Karla Giacomin, coordenadora da FNILPI – Como apoiar os Cuidadores; Manual de Higiene; Manual de Prevenção de Contágio; Manual de Saúde Bucal, Manual de Nutrição e outros. Eles foram criados porque não tínhamos uma base sólida, onde as pessoas das ILPI pudessem buscar orientação. Então o site da FNILPI agregou todos esses materiais, que são gratuitos e podem ser baixados.

Hermínia Brandão/Jornal da 3ª Idade – A senhora concorda que a pandemia tornou pública a falta de conhecimento do Brasil em relação às instituições que abrigam pessoas idosas?

Dra. Karla Giacomin, coordenadora da FNILPI – A pandemia deixou muito evidente que não conhecemos as instituições que temos no país. Posso lhe dar como exemplo uma situação em que eu estava conversando com o Secretário de Direitos Humanos do Maranhão, para poder divulgar uma atuação da FNILPI e ele declarou que tinha acabado de descobrir uma instituição nova. O Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Idosa do Maranhão que é bastante atuante tinha registrado 19 e na pandemia apareceu mais uma que ninguém conhecia, embora ela já existisse há 27 anos, no Interior do Estado. Isso é o que acontece.

Hermínia Brandão/Jornal da 3ª Idade – O aparecimento de novas ILPI foi uma realidade registrada em todo o Brasil. Em São Paulo, quando a vacinação começou, também apareceram instituições que não estavam no radar da Prefeitura e nem mesmo na listagem do Ministério Público, confeccionada em 2019.

Dra. Karla Giacomin, coordenadora da FNILPI – Na verdade, são instituições que existem há muitos anos e que estavam fora do radar da Assistência Social e da Saúde. A assistência Social tem um alcance de cerca de 60 mil idosos institucionalizados, credenciados no Sistema Único de Assistência Social mas, isso é muito inferior à demanda de pessoas carentes que precisam do apoio de uma instituição. Aqui em Belo Horizonte verificamos a existência de 28 ILPI filantrópicas e delas 24 credenciadas ao sistema público. Quando fomos mapear em função da pandemia, descobrimos que tínhamos 200, sendo que um terço delas totalmente precárias. Nelas a população carente compra vaga, porque não tem acesso a instituições públicas.

Hermínia Brandão/Jornal da 3ª Idade – Quantas ILPI existem no Brasil? A pesquisa que a FNILPI anunciou que estava fazendo já está fechada? No repasse enviado pelo governo federal para ILPI receberam auxílio emergencial 2200 entidades. Quantas mais a senhora imagina que existam além deste número?

Dra. Karla Giacomin, coordenadora da FNILPI – A Frente tem um grupo trabalhando nessa apuração, coordenado pela Profa. Marisa Accioly e pela Michele Clos, que é uma assistente social do Rio Grande do Sul. O que já verificamos é que existem de 9 a 11 mil CNPJ vinculados a ILPI. Estamos trabalhando com uma lógica de cerca de 10 mil ILPI em todo o país.

Hermínia Brandão/Jornal da 3ª Idade – Como seria a situação das ILPI no Brasil se na pandemia não existisse o SUS?

Dra. Karla Giacomin, coordenadora da FNILPI – Teria sido uma hecatombe. Não só pelo SUS, mas também pelo trabalho da FNILPI, porque tivemos um trabalho em tempo real com as ILPI. Quando aconteciam surtos, nas ILPI, nós ajudamos. Tivemos ligações perguntado sobre procedimentos imediatos, como isolar ou não funcionários, quanto tempo deixar na quarentena, como fazer os procedimentos de volta, foram respostas que demos na hora do problema.

Hermínia Brandão/Jornal da 3ª Idade – Quando começaram esse trabalho os profissionais envolvidos imaginavam que a pandemia pudesse durar tanto tempo?

Dra. Karla Giacomin, coordenadora da FNILPI – Ninguém imaginava. Pensávamos que era mesmo uma ajuda emergencial. Depois de um ano, a situação está mais catastrófica e apontando que temos muito mais coisas para fazer. A situação do Brasil não foi pior porque houve esse empenho da sociedade civil e o sistema de saúde respondeu para os idosos institucionalizados. No entanto, ainda conseguimos para todos os profissionais e cuidadores que trabalham em ILPI. Existem cidades em que isso não está garantido.

Hermínia Brandão/Jornal da 3ª Idade – Na opinião da senhora, que foi presidente do CNDI – Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa – o que faltou em todos os governos até agora para não tivesse conhecimento dessa realidade. Por que nunca foi feito um banco de dados sobre isso?

Dra. Karla Giacomin, coordenadora da FNILPI – Entendo que em 2009, com o primeiro censo feito pela Ana Amélia Camarano, que pesquisou as ILPI de cada região, tivemos um marco do interesse do poder público nesse assunto. Só que não foi adiante. O Brasil é um país etarista, preconceituoso, que fala em todas as suas leis que a família, a sociedade e o Estado tem que cuidar dos idosos. Só que a família mudou e o Estado não oferece políticas de apoio a essas famílias. Se uma família for cuidar do seu idoso em casa, seguindo à risca a lei, ela vai precisar de cuidadores em três turnos, no regime de horário de 12 por 36. Isso é inviável se pensarmos que mais de 70% dos idosos do Brasil ganham menos de dois salários mínimos. Lembrando que uma boa parte ganha o BPC- Benefício de Prestação Continuada. Ganha essa renda porque não pode contribuir para a Previdência. Então a pessoa tem que transformar 1 salário mínimo em 3 salários de cuidadores. Isso é impossível! Então a institucionalização não precisa ser necessariamente a última opção, mas a escolha para quem não dá mais conta de viver sozinha.

Hermínia Brandão/Jornal da 3ª Idade – Essa é então a diferença do olhar que tem que ser debatida, em todo o país, que até hoje enxerga a ILPI como última opção, como final de vida para os idosos?

Dra. Karla Giacomin, coordenadora da FNILPI – Hoje a ILPI tem que entrar no cardápio das famílias, como uma realidade que a maioria terá que encarar num determinado momento. Pior, existem inúmeros casos de famílias, que para fugirem do preconceito social de ter institucionalizado seu idoso, estão cuidando deles de forma negligente. Então para não correr o risco de levar um idoso para uma ILPI, muitas famílias acabam violando seus direitos. Quando um idoso sai da família e vai para uma instituição ganha em dignidade. Não nos cabe julgar as famílias.

Hermínia Brandão/Jornal da 3ª Idade – A Frente Nacional acabou crescendo muito mais do que se propunha num primeiro momento e hoje está atuando em vários outros segmentos. Qual é a proposta hoje, um ano depois?

Dra. Karla Giacomin, coordenadora da FNILPI – A Frente Nacional se desdobrou numa Frente de Fortalecimento dos Conselhos, porque verificamos a necessidade de formar conselhos, inclusive em relação à criação e utilização dos Fundos dos Idosos. A formação de cuidadores também foi e continua sendo uma preocupação nossa. É lamentável reconhecer que depois de 11 anos no Congresso o projeto de lei que regulamenta a profissão de cuidador foi vetado pelo Presidente da República. Para o segundo ano vamos evoluir. Estamos terminando de produzir um material muito bom sobre a qualidade do cuidado da pessoa institucionalizada. São pessoas que se dispuseram a trabalhar como voluntárias. Vamos pegar cada capítulo e rodar o Brasil novamente. Tivemos uma situação no Interior da Bahia, numa cidade que não tinha Wi-Fi e uma enfermeira ouvia pelo seu celular e ligava para a ILPI e ficava contando como um rádio de antigamente. Pensar isso no Século 21 é absurdo, mas temos que ir onde o povo está. 

Hermínia Brandão/Jornal da 3ª Idade – A Frente Nacional tem alguma interlocução com o governo federal?

Dra. Karla Giacomin, coordenadora da FNILPI – Temos. Na época do repasse do auxílio para as ILPI, conversamos com o Secretário Nacional da Pessoa Idosa, Antônio Costa, argumentando que somente 2200 ILPI filantrópicas iam receber ajuda, sendo que um terço das ILPI precárias são privadas. Elas ainda que inconsistentes estão fazendo o papel das filantrópicas. Hoje 94% de todas as ILPI do país são privadas. Nem assim conseguimos convencer que num orçamento de guerra todos teriam direito. Vamos continuar batendo nas mesmas teclas. O governo federal organizou um seminário nacional, mas a Frente Nacional não foi convidada.