Justiça Federal determina que a ANS inclua procedimento que ajuda idosos

Sr.Marcelo Queiroga. Foto: Erasmo Salomo/divulgação
Procurador Federal Kelston Pinheiro Lages, autor da ACP é e o cardiologista Marcelo Queiroga. Foto: arquivo Dr. Marcelo
Procurador Federal Kelston Pinheiro Lages, autor da ACP é e o cardiologista Marcelo Queiroga. Foto: arquivo Dr. Marcelo

A Justiça Federal pela primeira vez decidiu em contrário a Agência Nacional de Saúde Suplementar, ao determinar ontem, dia 6 de setembro, a inclusão do Implante por cateter de válvula aórtica (TAVI), tratamento realizado exclusivamente em idosos, no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS.

A decisão foi proferida na Justiça Federal da 1ª Região, em sentença disponibilizada ontem nos autos da Ação Civil Pública nº. 21641-53.2013.4.01.4000, determinando a inclusão num prazo de 30 dias.

Para entender a importância dessa decisão o Jornal da 3ª Idade conversou com o cardiologista Marcelo Antônio Cartaxo Queiroga Lopes, que é diretor da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista.

Jornal da 3ª Idade – O que é exatamente o TAVI? Como ele pode salvar vida de pessoas idosas?

Dr. Marcelo Queiroga– TAVI (do inglês: Transcatheter aortic valve implantation) é o implante por cateter de prótese valvar aórtica, destina-se ao tratamento da estenose valvar aórtica, doença que afeta 1 em cada 5 idosos acima de 75 anos. O tratamento padrão da doença é a substituição da válvula aórtica (válvula aórtica controla a passagem de sangue entre o ventrículo esquerdo e a aorta) por intermédio de uma cirurgia com o peito aberto. Na forma grave a doença tem alta mortalidade, nos indivíduos com insuficiência cardíaca e alteração do ritmo do coração a expectativa de vida pode ser menor que 1 ano. Devido as múltiplas comorbidades dos idosos, cerca de 30% dos enfermos com estenose aórtica tem a cirurgia contraindicada, para estes não há terapia eficaz com cobertura obrigatória no rol de políticas de saúde do Brasil. O TAVI é o procedimento indicado pois promove redução de 20% do risco absoluto de morte quando comparado ao tratamento conservador (dilatação da válvula com cateter associado a medicamentos), ou seja, em cada 5 pacientes tratados se salva uma vida. Tais dados são raramente encontrados em Medicina pois apontam para uma redução do risco relativo de morte superior a 50%.

Jornal da 3ª Idade – Esse tratamento já existe no SUS para todos?

Dr. Marcelo Queiroga– O TAVI ainda não foi formalmente incorporado no Sistema Único de Saúde, porém vários hospitais públicos (Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, Instituto do Coração do HCFMUSP, Instituto Nacional de Cardiologia, Hospital de Messejana, Hospital São Paulo – UNIFESP entre outros) já realizam o tratamento. A Sociedade Brasileira de Cardiologia Intervencionista (SBHCI) pleiteou junto à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC), órgão do Ministério da Saúde, a incorporação do TAVI no SUS, mas foi indeferido o pedido. A CONITEC alegou que o tratamento é arriscado e associado a complicações e que haveria um impacto econômico muito elevado no SUS. Essas assertivas foram contestadas na consulta pública realizada, inclusive institutos de grande reconhecimento científico como: InCor, HC de Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP), Hospital São Paulo (UNIFESP) foram favoráveis a incorporação da terapia.

Idoso de 100 anos que recebeu o TAVI com a família. Foto: arquivo DR. Marcelo Queiroga

Jornal da 3a Idade- Assim a opinião da CONITEC não tem o respaldo da comunidade científica nacional.

Dr. Marcelo Queiroga– Nesse sentido é bom frisar que o TAVI é praticado em mais de 65 países e foi incorporado nos principais sistemas de saúde do mundo, como Estados Unidos, Reino Unido e Canadá. Não há dúvidas acerca da eficácia do procedimento para os idosos.

Jornal da 3a Idade- O que já foi feito para caminhar oficialmente na adoção pelo SUS?

Dr. Marcelo Queiroga– Diante dessa intricada questão, que envolve desassistência dos idosos, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal já discutiu o assunto, por solicitação da Senadora Ana Amélia Lemos, em audiência pública, na ocasião vários especialistas defenderam a instituição de uma política pública para incluir esses pacientes dentro de uma perspectiva de terapia eficaz. Tal audiência ensejou uma proposta legislativa (PLS 688/2015) de autoria do Senador Acir Gurgacz (PDT-RO), já aprovada no Senado Federal, que determina a inclusão do TAVI no SUS. Atualmente, o projeto tramita na Câmara dos Deputado (PL 5.460/2016), com relatoria da Deputada Mariana Carvalho, já com parecer para aprovação na Comissão de Seguridade Social e Família. A despeito das dificuldades na incorporação em virtude de questões econômicas, pouco a pouco, conseguiu-se ampliar a discussão sobre o tema em todos os Poderes do Estado Brasileiro. Recentemente, fomos recebidos em audiência no Ministério da Saúde pelo Ministro Ricardo Barros, sendo reaberto os canais de dialogo sobre o tema. Também destaco a posição favorável manifestada pelo Conselho Nacional dos Direitos do Idosos (CNDI). Para o CNDI deve ser implementada uma política pública prevendo o procedimento TAVI para os idosos com estenose aórtica.

Jornal da 3ª Idade- A partir de quando os idosos poderão reivindicar o tratamento?

Deputada Mariana Carvalho relatora do PL 5.460/2016 na Câmara dos Deputados. Ela é médica e advogada.
Deputada Mariana Carvalho relatora do PL 5.460/2016 na Câmara dos Deputados. Ela é médica e advogada.

Dr. Marcelo Queiroga– A reivindicação pelo tratamento decorre de uma adequada indicação médica, a qual deve ser definida por uma equipe de especialistas (cardiologista, cirurgião cardiovascular e cardiologista intervencionista) após ser definida a contraindicação para a cirurgia de troca da valva aórtica com o peito aberto. Diante da indicação do TAVI os médicos assistentes devem solicitar a autorização para realização do procedimento para operadora de plano de saúde. No caso do SUS, deve-se buscar um serviço de alta complexidade cardiovascular com grupo de terapia valvar com experiência na técnica o qual pode indicar o tratamento.

Jornal da 3ª Idade-  O que os idosos podem fazer se não conseguirem o TAVI?

Dr. Marcelo Queiroga– Diante da negativa, os pacientes podem recorrer aos órgãos de defesa da cidadania (Ministério Público ou Defensoria Pública) que podem adotar as providências cabíveis, em consonância com o art. 15, § 2o do Estatuto do Idoso: “Incumbe ao poder público fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação”.  Em virtude da decisão judicial prolatada na Justiça Federal da 1a. Região, determinando a inclusão do TAVI no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, a qual, caso não haja suspenção por instância superior, após publicação no Diário Oficial da União, entrará em vigor a partir do dia 06 de outubro, sendo obrigatória a autorização do TAVI no âmbito da saúde suplementar .

Jornal da 3ª Idade – Qual foi a solicitação que deu origem a essa ação jurídica?

Dr. Marcelo Queiroga– Em relação a essa decisão judicial, cumpre-nos destacar que decorreu de uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal para determinar a ANS a obrigatoriedade de cobertura do TAVI no âmbito da saúde suplementar.  O tema já havia sido discutido na Procuradoria Geral da República, na 1a. Câmara de Controle Constitucional, a qual encaminhou às Procuradorias Regionais da República orientação para investigação de eventual desassistência aos idosos. No Piauí, o Procurador Federal Kelston Pinheiro Lages, diante de vários casos de idosos com estenose aórtica sem perspectivas terapêuticas, ingressou com medidas judiciais visando implementar o tratamento. Em 2013, foi concedida liminar determinado a inclusão do tratamento no Rol de Procedimentos da ANS, mas a decisão foi suspensa no Tribunal Regional Federal da 1a. Região. Agora, temos uma decisão de mérito na primeira instância, sem caráter precário, e foi prolatada após várias audiências com especialistas, ouvida a ANS, na qual figuraram como amicus curiae a Associação Médica Brasileira e Sociedade Brasileira de Cardiologia Intervencionista.

Particularmente, não defendo a judicialização da saúde, mas diante de afronta a direitos fundamentais e a legislação, decorrente de discricionariedade técnica de baixa qualidade exercida por órgãos técnicos do Estado Brasileiro, não resta outra opção para implementar certas políticas de saúde. Em relação ao TAVI a decisão desses técnicos, de tão desarrazoada e desproporcional, forçou o Ministério Público Federal a ingressar com a mencionada Ação Civil Pública a fim de assegurar direito líquido e certo de milhares de idosos beneficiários da saúde suplementar, sobretudo por se tratar de estamento social que tem prioridade estabelecida em Lei.