Daniel Groisman
Doutor em Serviço Social
Professor e Pesquisador da EPSJV-Fiocruz
Coordenador do Curso de Qualificação Profissional no Cuidado à Pessoa
Idosa da EPSJV-FiocruzDaniel Groisman Doutor em Serviço Social Professor e Pesquisador da EPSJV-Fiocruz Coordenador do Curso de Qualificação Profissional no Cuidado à Pessoa Idosa da EPSJV-Fiocruz
O PLC ( Projeto de Lei da Câmara) 11/2016, que regulamenta a profissão de cuidador, foi aprovado pelo Senado no dia 22 de maio de 2019 e aguarda sanção presidencial. A tramitação dos projetos de lei destinados a regulamentar a profissão foi difícil e durou mais de uma década. Nesse período, tive a oportunidade de acompanhar audiências públicas, debates e reuniões, que registrei em parte da minha pesquisa acadêmica. Faço aqui com uma breve análise sobre o texto do projeto aprovado:
⇨ a regulamentação da profissão de cuidador é uma demanda histórica da categoria e uma necessidade premente para a melhoria das condições do trabalho de cuidados e da prestação desse tipo de serviço para a população;
⇨ a demanda por cuidados cresce cada vez mais, sobretudo devido ao processo de envelhecimento populacional, sendo urgentemente necessário o estabelecimento de políticas voltadas para o apoio aos cuidados e ampliação do acesso a esse tipo de serviço, inclusive para os segmentos de menor renda;
⇨ um dos pontos positivos do projeto de lei é o estabelecimento de um requisito de escolaridade para a profissão de cuidador, bem como a necessidade de curso de qualificação profissional para atuação na área. Segundo normatização da legislação educacional brasileira, um curso de qualificação profissional regulamentado não pode ter carga horária inferior a 160 horas;
⇨ assim, é urgente pensarmos em formas de ampliarmos a oferta de cursos de qualificação para cuidadores com qualidade, dando condições para que essas trabalhadoras e trabalhadores possam elevar a sua escolarização e qualificação;
⇨ ao mesmo tempo, o texto do PL possui fragilidades que não podem ser ignoradas. Ao propor a divisão do cuidado em áreas especializadas (cuidador de idosos, cuidador de pessoa com deficiência, cuidador infantil e cuidador de pessoa com doença rara), o PL omite a existência dos cuidadores da saúde mental, uma categoria numerosa e que está inserida no SUS;
⇨ além disso, exigências como certidão de bons antecedentes e atestados de aptidão física e mental representam uma visão patronal e discriminatória (outras profissões análogas não possuem esse tipo de exigência), tendendo criar constrangimentos para os trabalhadores e a onerar esse tipo de serviço, já que tais documentos possuem um custo;
⇨ no que tange às atribuições, nota-se a influência de outras profissões já estabelecidas (sobretudo a enfermagem), ao impor proibições aos cuidadores. Esse é o caso das restrições para medicação “somente por via oral” e em relação à procedimentos sem “complexidade técnica”. Esse item, embora necessário, poderia ter tido uma redação mais aprimorada e capaz de prevenir conflitos que ainda poderão acontecer;
⇨um dos artigos do PL determina que é dever dos cuidadores “zelar pelo patrimônio do empregador no exercício de suas funções (…)”. Aqui cabe ressaltar que os deveres dos cuidadores estão relacionados primordialmente à pessoa cuidada, e não a questões patrimoniais. É item que não deveria constar e que pode dar margem para desvio de funções, como por exemplo, o cuidado da casa;
⇨ no que tange aos direitos trabalhistas, o PL prevê que o cuidador possa atuar também como MEI, o que já é uma realidade no mercado, porém ao mesmo tempo fragiliza e precariza as relações trabalhistas. Tenho a impressão, entretanto, que outras legislações irão prevalecer no que tange ao trabalho doméstico de cuidados (EC 72 e Lei 150/2015).
Por fim, acho que um novo capítulo se inaugura para as trabalhadoras e trabalhadores cuidadores. Se o texto do PL não é o ideal (mas foi o possível), é luta que segue, para que tanto a nova profissão seja valorizada, como o próprio cuidado, como direito humano e fundamental, possa ser reconhecido, apoiado e universalizado.